– A “fakedemocracia” é um estado fascista/nazi que pretende camuflar a verdadeira democracia como se ela fosse real e verdadeira. Por cá, também existe muita “fakedemocracia” que leva a partidos e políticos que professam ideologias fascistas/nazis, mascararem-se de “democratas” para assim terem acesso ao poder, divulgando nos meios de comunicação social que os acolhe e protege, o necessário suporte para verbalizarem os seus ideais “fakedemocratas“. Desde comentadores, jornalistas a cronistas divulgadores de ideologias fascistas/nazis, existe de tudo um pouco, por isso, não é de admirar este tipo de acontecimentos por parte da escumalha que não aceita a verdadeira democracia.
🇵🇹 OPINIÃO
Primeiro nos EUA e depois no Brasil, o assalto aos símbolos do poder democrático por quem recusa, em nome do “povo”, o resultado de escrutínios eleitorais coloca-nos perante a evidência de que democracia, justiça e bem são noções que variam de acordo com quem ganha ou perde – como no futebol.
Neste domingo em Brasília, como a 6 de Janeiro de 2021 no assalto ao Capitólio, pudemos ver em directo, ou quase em directo, as imagens dos assaltantes por si próprios, filmando tudo e filmando-se, através da partilha orgulhosa nas redes sociais – como quem não coloca sequer a hipótese de estar a cometer um crime e portanto a oferecer às autoridades as provas e identificação necessárias para os encontrarem e processarem.
Podemos, é claro, explicar isso com a excitação, aliada à falta de inteligência – ou ingenuidade, se quisermos ser caridosos. Mas sendo do conhecimento geral que muitos dos assaltantes do Capitólio foram identificados e acusados com base nas imagens partilhadas pelos próprios ou por companheiros de assalto, talvez seja avisado pensar noutras explicações.
Além de todos os motivos tontos, que também existem, como o da compulsão da selfie, aquelas pessoas querem mostrar-se naquele assalto porque consideram estar a fazer algo heróico, pelo bem, e ter com elas, por elas, muita gente, que pensam poder “levantar”, contagiar, ganhar, com a partilha.
Não é só o assalto que é uma acção política – a partilha faz parte da acção, como modo ostensivo de demonstrar que não só quem protagoniza não aceita a ideia de estar a cometer um crime como despreza quem assim o possa considerar.
Porque, e o sequestro das cores do país e da sua bandeira como símbolos do movimento significam isso, para quem ali está, aquele é “o verdadeiro Brasil”, o verdadeiro “povo”.
Justamente, na entrada de um dos edifícios, ouve-se um dos assaltantes dizer: “Já está tomado, estamos na casa do povo.” Se a casa é do povo, e se aquele é o povo, não há crime, pelo contrário; trata-se de retomar legitimamente o que foi roubado, segundo o princípio básico da democracia – um governo do povo, para o povo e pelo povo.
E nesse sentido não há nada mais simbólico que as filmagens da entrada no Supremo Tribunal e da sua destruição, como o empunhar ante a multidão, por um dos assaltantes, daquilo que sabemos agora ser uma cópia da Constituição de 1988 (a filmagem começou por ser partilhada referindo que se tratava do original).
O exemplar original da Constituição Federal de 1988. pic.twitter.com/DW7iMxprDr
— Antonio Tabet (@antoniotabet) January 9, 2023
Que vemos ali? Uma deslegitimação do regime através da dessacralização da sua lei fundamental e do tribunal que tem por função interpretá-la e aferir por ela quaisquer leis e práticas, ou uma pretensa recuperação, pelo “povo” que os assaltantes crêem representar, dos princípios constitucionais que proclamam dar-lhes razão (um dos artigos da Constituição tem sido sistematicamente invocado pelos bolsonaristas como fundamento para um golpe militar)?
Na verdade, para aquelas pessoas, como para os assaltantes do Capitólio, a convicção de que estão perante um roubo não tem sequer de se fundar na ideia, alegada quer por Trump e trumpistas quer por Bolsonaro e bolsonaristas, de que houve uma fraude eleitoral.
Há uma espécie de conclusão tautológica: se não foi ao seu lado, ao seu candidato, que foi reconhecida a vitória, então a eleição não foi justa.
Como para os fanáticos futeboleiros, qualquer derrota só pode explicar-se por “roubo”, qualquer resultado que não o desejado só pode ser ilegítimo.
Assim, as mesmas regras e instituições que serviram para dar a vitória a Trump e Bolsonaro deixam de ser credíveis quando são derrotados.
A democracia só é democracia se ganharem; as leis e os tribunais só são para respeitar se prenderem Lula; quando o soltam passam a não valer nada.
Os mesmos que exigiam “lei e ordem” e uma “intervenção militar” para “repor a legalidade” podem então escavacar edifícios públicos, roubar artefactos valiosos, esfaquear quadros, defecar nos gabinetes, espancar polícias (os polícias que os enfrentaram; também os houve) e os seus cavalos, num festim de ódio e absurdo.
Queremos acreditar que este espectáculo indecente terá o efeito contrário do pretendido; que nos muitos milhões que votaram em Trump e Bolsonaro – lembremos que perderam por muito pouco – há uma maioria que não se revê nos assaltos de Janeiro de 2021 e 2023.
Que acontecimentos como estes contribuem para enfraquecer a respectiva base de apoio, alienando muita gente, e são por isso erros políticos – e Lula, depois de uma primeira reacção destemperada no domingo, soube esta segunda-feira corrigir o tom e o discurso de modo a ir ao encontro de quem, não tendo votado nele, se queira demarcar do ocorrido.
Aliás, de tal modo o que aconteceu pode revelar-se danoso para o bolsonarismo que há quem esteja já a pôr a hipótese de que a aparatosa ausência de reacção policial em Brasília foi fruto de um maquiavelismo – o de permitir que os vândalos agissem à vontade, de modo a que Bolsonaro e o seu movimento caíssem em desgraça, perdendo apoio nacional e internacional.
É verdade que internacionalmente Bolsonaro viu até líderes de extrema-direita como a primeira-ministra italiana Giorgia Meloni demarcarem-se de modo inequívoco do sucedido (quiçá vêm daí as fortes dores de barriga que, dizem-nos, o acometeram na Florida), e que o próprio, isolado, amedrontado e sonso, acabou por fazer o mesmo.
Mas aquilo a que assistimos nos EUA e agora no Brasil (e mais ainda porque se repetiu no Brasil depois de acontecer nos EUA, em óbvia remake do filme americano) não é apenas um sinal daquilo que já sabemos – que no seio das democracias estão a crescer exponencialmente movimentos cujo intuito, consciente ou inconsciente, é derrubá-las, chegando ao paradoxo de exigir, como o fazem os bolsonaristas, a implantação de ditaduras militares como “salvação” do país e do próprio regime democrático.
Estes acontecimentos medonhos demonstram que a ideia de democracia se transformou, para muita gente, num conceito plástico, vazio, que não corresponde a qualquer conjunto de princípios. Uma espécie de fakedemocracia, ou democracia alternativa – como as fake news e os factos alternativos, é o que der jeito no momento.
Diário de Notícias
Fernanda Câncio
10 Janeiro 2023 — 04:52
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