🇵🇹 OPINIÃO
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A secretária do Tesouro norte-americana Janet Yellen, uma política sénior que exerce um conjunto de funções próprias de um ministro das finanças, esteve esta semana em Zurique. Mas não foi à conferência anual do Fórum Económico Mundial, que estava a decorrer a dois passos, em Davos.
A deslocação a Zurique foi para se reunir com o vice-primeiro ministro chinês, Liu He — esse sim, esteve em Davos –, e depois seguir viagem para o Senegal, a Zâmbia e a África do Sul. Vejo nessa decisão vários indícios.
Primeiro, está em curso a aproximação entre os EUA e a China, em particular a intensificação das consultas de alto nível, decidida por Joe Biden e Xi Jinping durante a cimeira do G20 em Bali, em Novembro de 2022. Liu é o principal responsável político da economia chinesa.
Ao discutir com Yellen estava sobretudo interessado nas questões de estabilidade económica ao nível internacional e na melhoria das relações comerciais entre o seu país e os EUA. Essas eram igualmente as preocupações de Yellen. É mais um sinal de uma viragem positiva que se espera que continue.
Segundo, os EUA vão apostar mais no relacionamento com África. Joe Biden deverá visitar o continente este ano. Há cerca de um mês reuniu em Washington com 49 chefes de Estado e de governo africanos. A cimeira foi considerada um sucesso.
A intenção última é não deixar o terreno livre para uma ainda maior expansão chinesa em África, que tem sido enorme nos últimos quinze anos. Mas existem outras razões que justificam o interesse americano.
Com a adopção em 2021 da Zona de Comércio Livre Continental Africana (AfCFTA, na sigla em inglês), a região passou a ser o maior espaço de comércio livre do globo. Ainda existem muitos impedimentos burocráticos aduaneiros entre vários Estados, mas a tendência para a facilitação comercial vai no bom sentido.
O potencial económico do continente é vastíssimo, nomeadamente na área agro-industrial, e está por explorar a sério. Por outro lado, o reforço das alianças políticas com certos países africanos faz parte da estratégia geopolítica americana.
Nas Nações Unidas e no terreno, é fundamental contar com o maior número possível de aliados. E, igualmente, Biden precisa dos votos dos afro-americanos, que serão mais fáceis de mobilizar se a sua administração conseguir reforçar o relacionamento com África.
Terceiro, ficou claro que o governo americano não mostrou grande interesse na reunião deste ano em Davos. Ao nível sénior, apenas John Kerry marcou presença e com uma agenda limitada às questões do clima.
O lado americano esteve sobretudo representado pelos patrões das grandes multinacionais, o que reforçou a ideia de que são eles quem define uma boa parte do quadro político internacional dos EUA e do Ocidente.
Ao contrário da administração norte-americana, a parte oficial da China esteve bem presente. Beijing tem uma ligação muito forte com Klaus Schwab, o fundador do fórum há 52 anos e o senhor absoluto da máquina intelectual e administrativa que o assegura.
Além disso, os líderes chineses procuram aproveitar todas as oportunidades de relacionamento com as multinacionais presentes em Davos, quer por motivos de negócios quer para recolher tudo o que é informações.
Já os europeus focaram-se, como não podia deixar de ser, na situação na Ucrânia, nomeadamente na necessidade de apoio militar adicional e urgente, que permita aos ucranianos repelir a agressão russa. Pareceu-me adequado dar tamanho relevo ao assunto.
O que considerei errado foi o alinhamento acrítico da presidente da Comissão Europeia com os EUA nas referências à competição económica com a China. Na realidade, há agora mais rivalidade e entraves vindos dos EUA que do lado chinês.
Basta pensar na nova lei de Biden sobre os apoios financeiros aos investimentos tecnológicos que sejam feitos nos EUA, o chamado Inflation Reduction Act de 2022.
Von der Leyen e os outros dirigentes europeus não devem transformar mecanismos como o de Davos em plataformas de ataque contra tudo o que não venha da esfera de influência ocidental.
Davos pode ter muitos defeitos, mas tem oferecido a vantagem de ser um ponto de encontro e de facilitar o diálogo entre os poderosos provenientes das diferentes partes do mundo. E esse diálogo, num tempo de policrises, para utilizar a expressão de Schwab, faz hoje mais falta que nunca.
Conselheiro em segurança internacional.
Ex-secretário-geral-adjunto da ONU
Diário de Notícias
Victor Ângelo
20 Janeiro 2023 — 01:17
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