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Em conferência de imprensa, D. Américo Aguiar revelou que o orçamento da Igreja para a Jornada Mundial da Juventude de 2023 é de 80 milhões de euros.
Desde que assumiu funções como Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa nunca escondeu o seu perfil de católico praticante, mostrando-se próximo das principais instâncias da organismo em Portugal — algo que já lhe valeu dissabores no passado.
A atribuição da Jornada Mundial da Juventude (JMJ) a Lisboa foi publicamente celebrada pelo chefe de Estado, que desde cedo assumiu o fato de “embaixador não oficial” do evento.
No entanto, as notícias recentes que apontam para custos avultados para a concretização das JMJ — pelo menos 4,6 milhões de euros para o altar-palco que vai receber o Papa Francisco — parecem marcar um distanciamento entre o Presidente da República e a Igreja Católica, a julgar pelas declarações contraditórias que as duas partes fizeram desde que o preço da estrutura, e o facto de a sua concretização ter sido atribuída à Mota-Engil por ajuste directo.
Depois de ter pedido mais informações à Câmara de Lisboa sobre a preparação do evento, Marcelo Rebelo de Sousa afirmou ontem, em declarações aos jornalistas, que o altar-palco devia ser construído à imagem das ideias e pensamentos do Papa Francisco.
Como tal, esperava um projecto que correspondesse ao “pensamento do Papa que se caracteriza por uma visão simples, pobre, não triunfalista“.
“Seria muito estranho um Papa que quer dar imagem de pobreza austeridade e contra o espavento viesse a não ter um acolhimento correspondente ao que é o seu pensamento”, defendeu o Presidente da República.
Marcelo Rebelo de Sousa considerou ainda que esta solução seria o que “a sociedade espera” e confessou esperar que “a solução encontrada no final” consiga “tentar tirar proveito do que é interesse nacional e respeitar o período em que nos encontramos e a própria maneira de ser do Papa que é contrário ao que é espaventoso“.
Interrogado sobre se a Igreja Católica Portuguesa já devia ter prestado esclarecimentos sobre esta matéria, o chefe de Estado remeteu essa responsabilidade para todos os envolvidos na organização da Jornada Mundial da Juventude: autarquias, Estado e Igreja Católica. “Eu acho que os três, em tempo oportuno, darão certamente esclarecimentos“, disse.
Minutos após estas declarações, surgia o primeiro contraditório da tarde. Citando o Patriarcado de Lisboa, a SIC Notícias avançava que, ao contrário do que havia sido dito pelo Presidente da República, este havia sido informado dos custos que envolviam a construção e instalação do altar-palco, já que as decisões teriam sido tomadas por várias entidades.
A Igreja defendeu-se ainda das declarações de Carlos Moedas, quando o autarca atribuiu a dimensão do palco às exigências desta entidade, dizendo que nunca impôs quaisquer condições.
A resposta de Marcelo Rebelo de Sousa não se fez esperar e, através do mesmo canal de informação, fez saber que apenas soube dos valores em causa “informalmente“, ou seja, através de jornalistas, e nunca pelo Patriarcado.
O Presidente da República acrescentou ainda que só na semana passada teve conhecimento das dimensões do altar-palco e que, no seu entender, “ainda é possível diminuir” os custos do projecto.
Esta possibilidade foi confirmada, horas mais tarde, numa conferência de imprensa que contou com a presença de D. Américo Aguiar, coordenador da JMJ 2023, e que serviu para dar resposta a muitas das questões que se levantaram nos últimos dias — e terminar com o pingue-pongue de declarações em espaço público. Segundo o responsável, o orçamento da Igreja para a jornada cifra-se nos 80 milhões.
Esta foi a primeira posição da Igreja em relação ao valor que está disposta a despender, ao qual se juntam outros 80 milhões, divididos entre a autarquia de Lisboa, de Loures e o Governo, o que já eleva os custos do evento para 160 milhões de euros.
“As coisas que puderem ser eliminadas por não serem essenciais, pediremos para serem eliminadas“, garantiu D. Américo Aguiar. “Nada é dogmático até que aconteça e esteja feito.”
Sobre o custo do altar-palco, o presidente das Jornadas disse estar “magoado“, garantindo também que só teve conhecimento do valor inerente à estrutura pela comunicação social. “É um número que magoa porque vivemos tempos em que todos sentimos as dificuldades de todos“, começou por explicar.
Tratou ainda de esclarecer a polémica em torno das alegadas exigências feitas pela Igreja. “O papel da Igreja é pedir às autoridades que respondam àquilo que temos de providenciar.
Nós sabemos o que precisamos que aconteça no palco, mas se ele é rectangular, quadrado, redondo, curvo, mais alto ou mais baixo, não é nossa preocupação.”
“Não sou o empreiteiro e também não sou o dono da obra (…) e é nossa obrigação sentarmo-nos com o autor do projecto, com os nossos técnicos, para irmos ver porque é que custa 4,2 milhões de euros e vermos o que é que, sendo da nossa responsabilidade, pode ser eliminado para que os custos não sejam o que são.”
D. Américo Aguiar aproveitou ainda a conferência de imprensa para garantir um escrutínio público das contas “até ao cêntimo“. Comprometeu-se, ainda, a investir possíveis lucros em projectos para a juventude nos dois municípios mais envolvidos na preparação do evento.
Sobre o envolvimento do Presidente da República na preparação do evento e o pedido para que as entidades fossem contidas nos custos, o responsável da Igreja lembrou a forma como Marcelo Rebelo de Sousa “festejou no Panamá que trouxéssemos as jornadas para Portugal“.
Poucos minutos depois de terminada a conferência de imprensa, Marcelo Rebelo de Sousa entendeu que a verdade dos factos havia sido reposta por D. Américo Aguiar e que ficou claro que o Presidente da República não sabia dos custos do altar-palco.
“Está esclarecido, D. Américo Aguiar acabou de dizer, desmentindo a nota do Patriarcado, que o Presidente da República não sabia o valor do altar. E, portanto, a Igreja, e bem, desmentiu aquilo que tinha vindo numa nota do Patriarcado e que tinha provocado a minha estupefacção“, disse o chefe de Estado.
O Presidente da República saudou ainda a posição “sensível à compatibilização de dois objectivos: um, que a jornada seja uma projecção de Portugal no mundo; segundo, que tenha uma linha de contas as circunstâncias económicas e sociais vividas neste momento”.
Moedas, o isolado
No meio de várias contradições, uma figura surgia cada vez mais isolada, a de Carlos Moedas.
O autarca, que num primeiro momento atribuiu a dimensão do altar-palco às exigências da Igreja, viu-se desmentido pela instituição, que negou as suas declarações, e desautorizado pelo Presidente da República, que defendeu a possibilidade de uma alternativa mais em conta.
No entanto, em declarações aos jornalistas, reforçou a sua ideia de investir até “35 milhões de euros” no evento — o qual espera que tenha um “retorno enorme“.
“O retorno vai ser multiplicado, tudo isto que vamos investir, vai ser multiplicado por 10 ou por 20.” O autarca justificou ainda a necessidade de recorrer a ajustes directos com o pouco tempo que dista até ao evento e com o facto de o seu executivo ter começado “do zero” porque “nada estava feito“.
“Nós tínhamos que ir para um processo que seria uma adjudicação directa, mas eu fui muito mais longe. Eu disse: eu não vou fazer uma adjudicação directa pura. Vamos consultar várias empresas” e “assim foi”, justificou o presidente da Câmara lisboeta.
Perante a polémica instalada, Moedas admitiu “rever o projecto e melhorar. Mas temos e fazer. Eventualmente ainda tentando reduzir custos. Não sei se é possível reduzir custos, o que sei é que é possível continuar a trabalhar.”
De seguida, o autarca dirigiu-se às declarações de Marcelo Rebelo de Sousa e da Igreja, dando nota das preocupações levantadas, mas priorizando a imagem da cidade e do país durante o evento.
“Eu farei aquilo que entenderem tanto do lado da Igreja como do senhor Presidente da República. Respeito as opiniões. Faço o que for necessário. Aquilo que digo é que faltam 186 dias e temos de ir para a frente. Vamos ter 100 hectares em que estará um milhão e meio de pessoas.
Nós vamos ter um palco em que vão estar mais de 190 países a olhar para Portugal. Naquele momento, Lisboa vai ser o centro do mundo. E isso tem um valor enorme para nós“, continuou.
Finalmente, chamou a si todas as responsabilidades das decisões, escudando-se na necessidade de mostrar obra — e um evento — feita a tempo. “Dou o corpo às balas. Tudo o que podemos fazer é melhor, mas tem de ser feito. Temos de fazer.”
“É um momento tão único, tão importante para Lisboa. Estou muito bem com a minha consciência. Todos os eventos da JMJ transformaram sociedades. Eu quero que a JMJ transforme Lisboa.”
Ana Rita Moutinho // ZAP
27 Janeiro, 2023
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